Depois das revoluções agrícola, industrial e digital, chegamos até a chamada 4ª. Grande Revolução, nomeada como a revolução da Inteligência Artificial, e como as grandes revoluções anteriores essa também vem marcada por grandes mudanças, que já impactam e impactarão ainda mais a vida humana, em todas as suas dimensões.
A escolha dessa nomenclatura (Revolução da Inteligência Artificial) tem a ver com o cenário tecnológico alcançado atualmente, onde há uma explosão de gadgets (dispositivos eletrônicos portáteis), gateways, hardwares, câmeras, sensores, robôs e acessórios que fazem uso da tecnologia IoT (internet das coisas), sempre voltados para otimizar toda a sociedade, seja relacionada a dimensão empresarial e comunitária ou até mesmo para a melhoria da vida pessoal e privada.
Olhando para essas mudanças tecnológicas atuais e para onde elas apontam, pode-se dizer que estamos vivenciando um processo de “total virtualização” da vida, é como se tudo o que existe no mundo físico, deve ser replicado para o mundo virtual, para ser gerenciado e acessado remotamente, em outras palavras, tudo o que é off-line deverá tornar-se online.
No âmbito da pessoa física, vimos essa mudança tornar-se uma realidade (conscientes ou não) por meio do surgimento e popularização dos smarthphones. Com eles, as conhecidas Big Techs (dentre elas a Google) disponibilizam para toda a população, o acesso a diversas soluções para o dia a dia e ao mesmo tempo recebem informações da nossa rotina e muitos dados do nosso comportamento e da nossa vida privada.
Já no âmbito empresarial vemos uma rápida implementação da IoT (internet das coisas) na indústria, principalmente nas empresas voltadas a manufatura de bens de consumo e alimentícia (como grandes montadoras automobilísticas, siderúrgicas e etc), e também em algumas empresas na área de logística e varejo nas quais a tecnologia IoT tem sido utilizada principalmente para mapear todos os processos, trazendo total transparência e, obviamente, uma gestão mais eficiente dos recursos financeiros e humanos.
Essa “transparência” extrapola os limites físicos das próprias empresas e torna-se voltada para os processos externos, pois contém potencial capaz de rastrear todos os insumos adquiridos para a sua respectiva produção e posterior comercialização. Essa transparência, alinhada a rastreabilidade vai desde a origem dos insumos (matérias primas) extraídas na natureza, acompanha todo o transito por diversas outras industrias (beneficiadoras), até chegar na sua produção.
Aparentemente todo esse mapeamento parece ser algo complexo, ainda mais porque em alguns percursos, de ponta a ponta (da origem até a indústria “final”), esses insumos transitam por diversos países e empresas (stakeholders) diferentes, como é o caso de muitas multinacionais. A boa notícia é que com uma convergência e integração de diversas tecnologias e inteligências, capaz de integrar diversos hardwares e soluções de IoT (internet das coisas), instalados em locais estratégicos, esses dados beneficiam toda a cadeia produtiva e a sociedade de modo geral.

Como já foi dito, a primeiro instante essa adoção tecnológica beneficia a gestão das empresas no entanto, essas práticas também agregam valor aos produtos produzidos ou comercializados, ao serem comunicadas ao mercado (clientes finais, acionistas e etc), além de alinhar ainda mais a empresa às diretrizes e políticas de ESG e sustentabilidade.
Algumas grandes empresas entenderam que a total transparência dos seus processos, a comprovação da ética e sustentabilidade dos seus fornecedores, ou dos fornecedores dos seus fornecedores, na verdade de toda essa grande cadeia produtiva, também está sob a sua responsabilidade e que, qualquer tipo de falha ou negligência nas suas homologações, auditorias e etc…isto é, qualquer atitude antiética do seu próprio negócio ou de algum fornecedor (seja ele produtor ou prestador de serviços), qualquer tipo de “deslize”, pode ser considerada uma atitude de má-fé e negligência, que inevitavelmente chegará na internet e atingirá os seus clientes finais, os grandes responsáveis por monetizar (capitalizar) uma boa parte do negócio e, principalmente, alcançará também os acionistas e investidores, sensíveis às políticas de ESG, de sustentabilidade e aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) das Nações Unidas, sem nenhum tipo de tolerância quando o assunto está relacionado ao meio ambiente e aos recursos naturais.

Podemos ver algo neste sentido em 2 casos emblemáticos de uma empresa nacional e considerada a maior produtora de proteína animal do mundo, ocorridos em julho de 2018 e com uma reincidência em julho 2020.
Um dos casos estava relacionado ao tratamento negligente dado aos funcionários e colaboradores. Já o outro caso foi a respeito de suspeitas em uma prática antiética conhecida no mercado como “triangulação do gado” (prática obscura que visa “esquentar” animais bovinos criados de forma inapropriada ou em locais de desmatamento e ilegais). Os dois casos foram locais, aconteceram aqui no Brasil e ganharam uma repercussão mundial, ocasionando um grande prejuízo para a famosa indústria alimentícia. A perda de uma parceria com um importante acionista europeu foi capaz de trazer um prejuízo (direto) no valor de US$ 143 milhões (aproximadamente R$ 790 milhões de reais, na moeda do dia de hoje (R$ 5,53)), isto sem contar os desfalques indiretos, que vieram em cascata após este triste evento.
Isso demonstra que sociedade civil e empresas formam uma só rede, onde todos estamos interligados e, por isso mesmo, somos todos responsáveis pela sustentabilidade do planeta. Também fica evidente que a sustentabilidade está totalmente relacionada a todas as cadeias produtivas, composta por diversos players e stakeholders responsáveis por estruturar e manter diversos grupos econômicos, com grande relevância no mercado nacional e mundial.
Todos players e stakeholders, sem exceção, podem exigir acesso a dados que comprovem toda a idoneidade dos seus processos, principalmente os mais sensíveis (relacionados a sustentabilidade e ao meio ambiente), em um processo de total transparência junto aos seus clientes, seus parceiros e os seus fornecedores.
Podemos ver medidas deste tipo adotada por um importante banco de investimentos francês com uma forte atuação na economia nacional, que criou uma política restritiva de créditos financeiros para os clientes que não apresentarem uma garantia (auditável e sem margens para ilegalidades), em seus processos de rastreabilidade relacionada ao agronegócio e o mercado alimentício. Como é possível ver no site do próprio banco francês:
A nossa instituição financeira não financiará clientes que produzem ou compram carne bovina ou soja em terras desmatadas ou convertidas após 2008 na Amazônia. Os clientes devem, portanto, aplicar essa data-limite, fixada em 2008 na Amazônia, de acordo com regulamentos e acordos setoriais.
Encorajaramos os nossos clientes a não produzir ou comprar carne ou soja de terras desmatadas ou convertidas no Cerrado após 1º de janeiro de 2020, em linha com os padrões globais.
Para todos os seus clientes, exigiremos a total rastreabilidade dos canais de carne bovina e soja (direto e indireto) até 2025.
Sem créditos financeiros não existe produção e sem produção, existe uma diminuição na oferta de alimentos no mercado. É uma medida drástica e radical, mas que visa educar os players deste mercado, nesta cultura sistêmica, coletiva e de corresponsabilidade.
Fontes de informação para este artigo
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Sobre o autor
Kleiton Fontes é o CMO da Sinactus Soluções Sustentáveis. Possui experiência de mais de 10 anos como empreendedor. Como executivo passou por empresas como Rhodia, ArcelorMittal e SEBRAE Nacional.