
O consumidor e o produtor ou fornecedor de alimentos já foram a mesma pessoa há mais de 10 mil anos. Com o surgimento da agricultura, a produção de alimentos tem sido transferida do consumidor para os profissionais dos alimentos e, cada vez mais, as pessoas têm confiado sua alimentação nas mãos desses profissionais. Hoje, no entanto, os profissionais de pesquisa, desenvolvimento e produção de alimentos possuem outros desafios e responsabilidades além de alimentar a humanidade.
Este processo vem ocorrendo por milênios e se acelera com cada nova revolução na agricultura, a qual viabiliza um aumento de produtividade ou maior eficiência na produção de alimentos, oferece condições para que mais pessoas deixem de produzir seu próprio alimento e mudem para as cidades ou encontrem outra profissão. Esta tendência irá continuar e, cada vez mais, a humanidade irá depender de um número menor de pessoas para produzir os alimentos. Estamos falando de agricultores, engenheiros agrônomos, agrícolas, zootecnistas, veterinários e muitos outros.
A profissionalização da produção de alimentos
A história da agricultura é a história de como a sociedade que conhecemos hoje se desenvolveu. Sem o surgimento da agricultura entre 10 e 12 mil anos atrás, teríamos uma humanidade bem menor, vivendo de caça e pesca, e provavelmente sem os benefícios que a sociedade atual tem em mãos. Isso porque a agricultura permitiu que parte considerável da humanidade deixasse de se preocupar e de se ocupar com a produção de alimentos para dedicar-se a outras profissões. Dessa forma, a agricultura permitiu que homens e mulheres tivessem tempo para explorar e desenvolver outras habilidades e para que a produção de alimentos ficasse nas mãos dos profissionais da produção de alimentos, ou seja, os agricultores.
Hoje em dia o profissional dos alimentos se especializou muito e agregou conhecimento, poderes e responsabilidades nos processos de pesquisa, desenvolvimento e produção de alimentos. No caso da pesquisa, esses profissionais são os responsáveis não somente por desenvolver as tecnologias essências para aumentar e melhorar os alimentos, mas também por atestar a qualidade dos mesmos.
A segurança dos alimentos
Vejam o caso dos alimentos oriundos de técnicas de modificação genéticas, os OGMs (Organismos Geneticamente Modificados) ou alimentos transgênicos como são popularmente conhecidos. Varias instituições de saúde e alimentação do mundo, como a Organização Mundial de Saúde e a Organização para a Alimentação e Agricultura subordinadas às Nações Unidas, e nacionais, como a Academia Americana de Ciências e a Autoridade em Segurança Alimentar Europeia, comprovam e confirmam constantemente a segurança dos alimentos transgênicos.
Os estudos e pesquisa que levam essas agencias nacionais e internacionais a comprovarem a segurança dos alimentos transgênicos são realizados por profissionais dos alimentos. Testes e analises são conduzidos por anos antes de aprovar um novo OGM. Ou seja, milhares de profissionais trabalham diariamente em empresas, universidades ou institutos de pesquisas desenvolvendo e analisando os transgênicos.
Essas pessoas, como eu, que há quase duas décadas tenho trabalhado em diferentes empresas ou projetos relacionados à Biotecnologia ou a outras inovações tecnológicas, possuímos famílias e amigos e temos uma admiração muito grande pela natureza. E continuamente aprendemos sobre a segurança dos OGMs e comunicamos isso para nossos amigos e a sociedade. Um produto OGM passa por uma infinidade de testes das empresas e instituições públicas por no mínimo dez anos antes de chegar ao mercado. Assim, consumimos e recomendamos o consumo destes OGMs para nossa própria família e amigos, com a certeza de que são iguais aos alimentos não OGMs.

A contribuição para a sustentabilidade
A sustentabilidade econômica de uma propriedade é crítica para que os filhos dos agricultores atuais tenham a oportunidade de viver plenamente na mesma propriedade, podendo criar seus filhos e outros membros das futuras gerações, se assim desejarem. Isso significa que a propriedade deve oferecer as condições básicas para que os proprietários atuais e seus filhos possam satisfazer suas necessidades como alimentos, água, abrigo e segurança. Além disso, a propriedade deve gerar renda financeira o suficiente para fornecer acesso a educação, saúde e a condições de satisfação pessoal, como convívio social, desenvolvimento pessoal e profissional. Dependendo do tamanho operacional da propriedade, ela precisa satisfazer as necessidades acima citadas dos funcionários que nela vivem e/ou trabalham também. Neste caso, os profissionais dos alimentos contribuem para a revolução sustentável em andamento no mundo hoje.
O resgate da comunidade rural
O propósito de uma comunidade inclui vários aspectos da vida humana. A maior parte da evolução da nossa espécie está ligada e se relaciona com a evolução das comunidades. Do ponto de vista de sobrevivência, os mais experientes treinam os jovens tanto nas questões técnicas, profissionais como sociais. Pessoas que vivem em comunidades possuem acesso a capital sem a necessidade de comprovar ou comprometer seus bens e sem recorrer a serviços técnicos ou até mesmo recomendações sobre escolhas profissionais ou econômicas. No entanto, nas últimas décadas, esta importância da comunidade tem sido substituída pela presença cada vez maior do mercado e do Estado na vida das pessoas. Assim, precisamos resgatar a importância e o valor da vida em comunidade. Isso é valido para todas as esferas da sociedade, mas é ainda mais importante no meio rural, já que normalmente as pessoas vivem isoladas neste ambiente.
No entanto, as comunidades rurais precisam desenvolver e abrigar profissionais dos alimentos. Um dos motivos para a redução da importância ou ate mesmo a extinção de uma comunidade deve-se a falta de profissionais. A ausência de profissionais capacitados para resolver problemas ou operar os sistemas modernos de produção de alimentos torna uma propriedade rural improdutiva e sujeita a ser adquirida por uma propriedade rural mais eficiente. A medida que a concentração de terras aumenta, diminui a diversidade de produção e mão de obra limitando a sobrevivência ou expansão das comunidades rurais.
Atração de profissionais às comunidades
A capacitação e expansão do uso de tecnologias no campo, as comunidades rurais precisam atrair mais profissionais. No auge da Revolução Industrial nos EUA, em 1870, em torno de 50% da força de trabalho americana estavam na agricultura, isto é, um número bem diferente dos quase 2% atuais. Além disso, a idade média do agricultor americano é 57 anos, mostrando a dificuldade da agricultura em atrair as novas gerações para ficar no campo. No entanto, com o contínuo aumento da população e renda mundial por um lado, e do mundo incerto e volátil do outro, precisaremos voltar a atrair os jovens para a produção de alimentos.
A resposta para atrair estes jovens talvez esteja nas próprias razões pelas quais acreditamos que eles estão se afastando. Ou seja, precisamos mostrar que garantir uma alimentação saudável e uma agricultura mais sustentável é o grande desafio da geração atual e um propósito grande o suficiente para mover os corações de milhões de jovens no mundo que acreditam na mudança para um mundo melhor. A agricultura também emprega novas tecnologias como veículos autônomos, as fazendas verticais e a polinização com drones, além das outras tecnologias como robôs para colher morangos, por exemplo. Na parte de capacitação, várias startups estão oferecendo cursos on-line, além de muitas instituições e ONGs estarem oferecendo cursos gratuitos no modelo a distância também.
O papel dos profissionais dos alimentos
No começo, os produtores produziam alimentos demandados por consumidores diretamente. Esta relação entre produtores e consumidores iniciou-se com a revolução agrícola há 10 mil anos, mas começou a diminuir no mundo ocidental, principalmente, com a Revolução Industrial do século XIX. O modelo inicial durou por quase 10 mil anos, mas então surgiu a cadeia de produção de alimentos com a Revolução Industrial e, desde então, empresas têm se especializado e se concentrado cada vez mais.
Os benefícios que a profissionalização da cadeia de produção de alimentos fez para a humanidade são louváveis por viabilizarem a alimentação da humanidade. Desde 1900, os preços dos alimentos têm caído ano a ano, com poucas exceções, devido à maior oferta do que demanda de alimentos no mundo. No entanto, os efeitos negativos da cadeia de valor de alimentos no meio ambiente, na economia dos agricultores e na humanidade não podem ser negligenciados.
Assim, os mesmos profissionais que tem contribuído para aumento da produção de alimentos e, consequentemente, da humanidade precisam agora voltar suas atenções para a sobrevivência do planeta. As mudanças climáticas, redução da biodiversidade e dos recursos naturais como água e solo irão cada mais limitar a produção de alimentos. Ou seja, os profissionais dos alimentos têm uma missão mais difícil e nobre ainda, a de alimentar a humanidade e preservar o planeta.
Fontes de informação para o artigo
Manhas, K. 2019A. Farming is the world´s most important career – that´s why is needs a new image. Ag Funder News. Publicado em 26/08/2019.
Raghuram, R. 2019. The third pillar: how markets and the state leave the community behind. Penguin Press. New York, USA.
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Sobre o autor
Tederson é Engenheiro Agrônomo, PhD e MBA. Tem mais de 20 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias aplicadas à agricultura. Também trabalhou nas áreas de estratégia e gerenciamento de produtos em multinacionais nos EUA, Brasil e Argentina. Além disso, atua como investidor-anjo de startups brasileiras. Atualmente, é diretor de P&D de uma startup que desenvolve tecnologias mais sustentáveis para o manejo de pragas na agricultura. Recentemente publicou o livro “Prato Meio Cheio, Meio Vazio: conquistas, desafios e alternativas para alimentar a humanidade sem destruir o planeta”.