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Os impactos do tamanho das propriedades rurais nos preços dos alimentos e empregos

Apesar de a intensificação da produção agrícola ser importante para a segurança alimentar do mundo, o modelo de grandes propriedades não é unânime e encontra críticas por focar em poucas espécies de plantas e animais e, desta forma, ter criado e expandido uma indústria alimentícia baseada nestas poucas opções.

Assim, a qualidade nutricional dos alimentos consumidos atualmente, baseada na indústria alimentícia, é questionável em vários níveis da cadeia de produção de alimentos. Para exemplificar isso, hoje temos mais do que o dobro de pessoas malnutridas ou obesas comparadas com pessoas passando fome. Nesse sentido, a continuação da intensificação da agricultura e do modelo pregado pela revolução verde pode não ser mais a melhor opção, ante as mudanças dos hábitos alimentares das últimas décadas.

As megafazendas e o consumo de proteína animal

Além destes questionamentos sobre a qualidade dos alimentos, também existem os questionamentos econômicos e sociais sobre a tendência de consolidação da concentração de propriedades.

No caso da produção de proteína animal, estas propriedades estão se tornando megafazendas. Estas fazendas produzem milhares de cabeças de gado, porco e frango, em unidades com alta densidade de animais por área. Enquanto a produção se concentra nestas megafazendas, milhares de produtores rurais estão deixando a atividade, pois o lucro só é obtido com produção em escala.

Devido à redução contínua dos preços da proteína animal pelo excesso de produção ao longo das décadas, muitos produtores rurais se encontram em uma encruzilhada: ou adotam um modelo de grande escala na produção em megafazendas, ou saem do mercado. No entanto, a mudança para o modelo de megafazenda não é simples ou barata. Este modelo é complexo, pois envolve o que existe de mais moderno em equipamentos e insumos, ou seja, em tecnologia de produção animal, além de todo o conhecimento para operar fazendas tão tecnificadas.

E o modelo não é barato, porque a adoção destas tecnologias e da mão de obra necessária para operá-las tem um custo consideravelmente mais caro do que o nível de investimentos que estes produtores tradicionais operam atualmente. Isso faz com que a solução mais prática para os produtores rurais migrarem para o sistema de megafazendas seja a integração ou associação com empresas alimentícias, tradings, cooperativas e outros.

Desta forma, estes processadores de alimentos têm toda a cadeia de produção de proteína animal em suas mãos, visto serem os principais compradores dos grãos como soja e milho para alimentar os animais e serem os principais compradores destes animais para o processamento e a comercialização dos mesmos para o consumidor final.

No último século, a redução do preço de proteína animal tem permito que mais pessoas no mundo tenham acesso a este produto. No entanto, a produção em superfazendas tem sido criticada pela reduzida quantidade de propriedades que conseguem migrar para o sistema de produção intensiva, retirando ainda mais produtores da cadeia de alimentos e concentrando ainda mais o sistema nas mãos de poucos.

A intensificação da produção e o destino dos agricultores

O principal benefício de redução do preço dos alimentos que as grandes propriedades trazem para os habitantes em geral do planeta é o principal malefício para os produtores rurais, que não conseguem atingir um nível de lucro operacional e manter suas propriedades, devido aos baixos preços pagos pela sua produção.

Na década de 1980, nos EUA, um produtor de gado recebia USD 36 por animal, de lucro, enquanto vinte anos mais tarde este mesmo produtor estava recebendo apenas USD 14, por animal, de lucro. Na produção de porcos, a redução dos preços pagos aos produtores segue a mesma linha. No mesmo período citado acima, o preço pago ao produtor de porco caiu em mais de 30%.

Outro dado mostrando a concentração na produção de proteína animal vem da produção de porcos nos EUA. No início dos anos 1990, em torno de 30% dos porcos eram produzidos em megafazendas; no início dos anos 2000, este número saltou para 80% e em 2007 chegou a 95%. Ou seja, apenas um porco em 20 produzido nos EUA vinha de propriedades tracionais.

Estas características dos modelos de megafazendas vêm se intensificando em todas as áreas de produção de proteína animal. E apesar de o produto final estar sendo disponibilizado para mais pessoas no mundo, as questões de até onde devemos deixar a concentração de produção de alimentos chegar e de que métodos são permitidos para se alcançar estas produções são questões que incomodam e deixam uma dúvida da sustentabilidade desse modelo.

Para as pequenas e médias propriedades, por outro lado, é praticamente impossível competir em preço e eficiência com as grandes propriedades ou megafazendas. No entanto, as pequenas propriedades fornecem trabalho e alimentação para bilhões de pessoas no mundo e a redução do número destas pequenas propriedades resultaria em uma grave crise de segurança alimentar e social no mundo. A situação mais crítica, neste sentido, é a do continente africano, sendo o único continente cuja população rural continuará a crescer, chegando a quase 50% do que é hoje em 2050.

Além disso, o continente africano é muito jovem, 63% da população tinham idade inferior a 25 anos, em 2015. Isto contribui para a diminuição da área arável de cada propriedade, já que, para compensar, pela alta densidade populacional, o agricultor tem que cultivar mais e mais na mesma terra, contribuindo para a degradação mais rápida dos solos. Ou seja, a África representa a região com maior probabilidade de insegurança alimentar nas próximas décadas.

As pequenas propriedades rurais e alimentação humana

Esse cenário é agravado pela alta concentração populacional neste continente; em apenas 20% das terras agrícolas vivem 82% da população rural do continente. Assim, as mesmas tendências de diminuição das pequenas propriedades rurais, intensificação da produção, consolidação de propriedades e aumento dos custos de produção vistos nas Américas e Europa podem causar danos maiores na estabilidade e segurança alimentar no continente africano.

As pequenas propriedades rurais são uma das melhores formas de diminuir a pobreza e a fome no mundo. Apesar das divergências no impacto da produção mundial de alimentos, com estimativas variando entre 31 a 80% de alimentos produzidos, dependendo da definição de alimentos e propriedades, base de dados e amostras de países, o certo é que a agricultura de pequenas propriedades representa 80% das propriedades rurais no mundo, além de serem residência e fonte de renda para bilhões de pessoas.

A proporção de pessoas que trabalham na agricultura diminuiu significativamente entre 1950 e 2010, sendo que esta diminuição foi mais drástica nos países desenvolvidos (35 para 4,2%) do que em países em desenvolvimento (81 para 50%). No entanto, o número de trabalhadores na agricultura tem aumentado, chegando a 1.3 bilhão de pessoas no mundo, fazendo da agricultura o maior fornecedor de empregos do mundo. Este volume de empregos impacta a vida de mais de 2,5 bilhões de pessoas no planeta.

E as expectativas da FAO são de que a agricultura continue sendo o principal setor de trabalho nos países menos desenvolvidos. Portanto, a contribuição da agricultura vai além do fornecedor de alimentos para o mundo, pois é também o principal gerador de renda para as famílias, nos países em desenvolvimento.

Fontes de informação para o artigo

Hauter, W. 2012. Foodopoly: The battle over the future of food and farming in America. The New Press, New York, NY.

Jayne, T.S., Chamberlin, J., Headey, D.D. 2014. Land pressures, the evolution of farming systems, and development strategies in Africa: A synthesis. Food Policy 48 (2014) 1–17.

Lowder, S.K., Skoet, J., Raney, T. 2016. The Number, Size, and Distribution of Farms, Smallholder Farms, and Family Farms Worldwide. World Development Vol. 87, pp. 16–29, 2016

Herrero, M., Thornton, P.K., Power, B.,Bogard, J.R., Remans, R., et al. 2017. Farming and the geography of nutrient production for human use: a transdisciplinary analysis. Lancet Planet Health 2017; 1: e33–42.

Kingsman, J. 2017. Commodity conversations: Na introduction to trading in agricultural commodities. ISBN-13: 9781976211546.

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Sobre o autor

Tederson é Engenheiro Agrônomo, PhD e MBA. Tem mais de 20 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias aplicadas à agricultura. Também trabalhou nas áreas de estratégia e gerenciamento de produtos em multinacionais nos EUA, Brasil e Argentina. Além disso, atua como investidor-anjo de startups brasileiras. Atualmente, é diretor de P&D de uma startup que desenvolve tecnologias mais sustentáveis para o manejo de pragas na agricultura. Recentemente publicou o livro “Prato Meio Cheio, Meio Vazio: conquistas, desafios e alternativas para alimentar a humanidade sem destruir o planeta”.

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