
Apesar de atualmente os preços dos alimentos e commodities estarem altos devidos a reflexos da pandemia do Covid-19 e da guerra na Ucrania, nos últimos 100 anos, os preços pagos aos agricultores tem diminuído. A redução dos preços de commodities resulta em dificuldade para o produtor rural viabilizar suas operações, principalmente, na aquisição de máquinas, equipamentos, insumos de alta tecnologia e terras para melhorar seus custos.
Assim, o agricultor tem uma decisão a tomar: ou se programa para aquisição de novas terras, construção de galpões ou fabricas para otimizar e aumentar a produção de animais, ou realiza investimentos em máquinas e equipamentos para produzir mais com menos mão de obra etc. E como o produtor rural pode viabilizar estes investimentos? Como sabemos, os recursos estatais ou privados são caros e de difícil acesso; então, muitas vezes, resta ao produtor buscar alternativas sozinho ou com outros produtores, para expansão da produção, podendo, também, vender ou arrendar sua propriedade.
O sistema integrado
Uma das opções para financiar e modernizar a propriedade rural é a integração com empresas de fornecimento de insumos que financiam e compram as commodities produzidas pelos agricultores. Estas empresas processadoras são conhecidas como “integradoras do sistema” já que desenvolveram um modelo vertical de produção no qual integraram todos os fatores, inclusive o produtor rural. O problema desse sistema para o produtor rural é que ele entra com o risco da operação, uma vez que o integrador não se compromete com os fatores de produção dentro da propriedade rural, ou seja, mão de obra, energia, água, equipamentos e estrutura física. Tudo isso fica por conta e risco do produtor.
O integrador entrega os animais matrizes ou animais recém-nascidos, a genética que vem com estes animais, o alimento para os mesmos e depois compra os animais prontos para o abate. Caso ocorra algum problema de fornecimento de energia ou água, ou falta de mão de obra, por exemplo, o integrador está isento de qualquer responsabilidade, ficando o prejuízo nas mãos do produtor rural. Além disso, o produtor acaba ficando com a menor parte do lucro do preço total de varejo.
Exemplo disso é descrito por um produtor de frango dos EUA ao afirmar que, do total pago por uma refeição à base de proteína de frango, 77% ficam com o restaurante, 18% com o processador da proteína animal e apenas 5% com o produtor que demorou seis semanas para produzir aquele frango. Enquanto os produtores tentam sobreviver sozinhos, as empresas que controlam este sistema se tornam cada vez mais eficientes, principalmente com a contínua concentração do setor, sendo que mais de 50% dessa concentração estão nas mãos de apenas quatro empresas.

No caso da produção de leite e seus derivados, como queijo e iogurte, a cadeia de produção inicia-se com o produtor de leite, que vende o leite para uma cooperativa, ou com o comprador do leite, que é responsável pela coleta e armazenamento do produto até a venda para uma empresa processadora do leite, que irá engarrafá-lo ou transformá-lo em queijo, iogurte, requeijão ou outro derivado. Então, este processador revende seus produtos para o varejo, que disponibiliza o leite e seus derivados para o consumidor final. A concentração da cadeia do leite também tem se intensificado nas últimas décadas, mas em níveis diferentes para cooperativas e outros compradores de leite dos produtores e dos processadores. Nos EUA, por exemplo, a maior processadora de leite, Dean Foods, possui 40% do mercado do leite líquido, 60% do leite orgânico e 90% do leite de soja.
O número de agricultores de laranja na Florida tem diminuído continuamente também. Em 2008 eram 8 mil, e cinco anos mais tarde eram apenas 5 mil agricultores. Além disso, 55% da área de produção de laranja da Florida estão nas mãos de apenas 20 agricultores. Dois dos principais motivos para isso têm sido a queda na produtividade – por conta de doenças como o greening, causado por uma bactéria que tem devastado grandes áreas de produção de laranja – e o aumento do custo de produção. Ambos os fatores retiram os pequenos ou ineficientes agricultores da cadeia de produção e limitam a continuidade de produção apenas para aqueles que conseguem melhorar o sistema de produção e aumentar a escala.
A concentração da produção
Desta forma, a maioria das principais commodities comercializadas internacionalmente é proveniente de grandes propriedades com pouca diversidade de plantas e animais. A maioria das grandes propriedades (mais de 50 hectares) nas Américas do Sul e do Norte e Oceania produz entre 75% e 100% dos cereais, frutas e derivados de proteína animal. As grandes propriedades agrícolas brasileiras (em torno de 800 mil ou 15% das propriedades agrícolas do país) ocupam 75% das terras aráveis e produzem 62% do total de alimentos, fibra e celulose. E quanto mais se aproxima do topo, maior é a concentração de terras e produção, já que apenas 1,5% dos proprietários possui 53% das terras aráveis no Brasil, produzindo principalmente commodities como soja, café e açúcar para exportação.

Se para as grandes propriedades o acesso ao capital é desafiador, pode-se imaginar como seria para as pequenas e médias propriedades. Em vista disso, várias são as sugestões para aumento do suporte à agricultura familiar, incluindo melhorias na organização dos pequenos agricultores em negociação de compras de insumos, equipamentos e venda de produtos, definição de prioridades de produção de alimentos, segurança das propriedades, pesquisa e desenvolvimento voltados para a agricultura familiar, extensão rural e práticas sustentáveis, financiamento e políticas de controle de produção focadas em pequenas propriedades.
Para atender à demanda de alimentos em 2050, a FAO (Organização da Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) estima que mais de 85% do aumento de produção dos alimentos virão da melhoria das produtividades e não da incorporação de novas áreas para a atividade agrícola. Nessas estimativas da FAO, o mundo possui 7,2 bilhões de hectares de terras adequadas para a produção agrícola somente com águas da chuva, e que existe ao redor de 1.4 bilhão de hectares que poderiam ser incorporados à produção de alimentos, sem a necessidade de desmatamento. Neste caso, este 1,4 bilhão de hectares consiste em pastagens e terras marginais que poderiam ser melhoradas através da aplicação de tecnologias modernas.
Assim, a segurança alimentar mundial depende da maior disponibilidade de recursos financeiros aos produtores rurais e de uma forma mais igualitária entre as diferentes classes de tamanho de propriedades rurais. Por fim, esses investimentos devem ser acompanhados de estuados de uso da terra para aumentar a eficiência em áreas previamente desmatadas ou de baixo rendimento agrícola.
Fontes de informações para este artigo
Hauter, W. 2012. Foodopoly: The battle over the future of food and farming in America. The New Press, New York, NY.
Kingsman, J. 2017. Commodity conversations: Na introduction to trading in agricultural commodities. ISBN-13: 9781976211546.
Herrero, M., Thornton, P.K., Power, B.,Bogard, J.R., Remans, R., et al. 2017. Farming and the geography of nutrient production for human use: a transdisciplinary analysis. Lancet Planet Health 2017; 1: e33–42.
Gross, A.S., 2019. As Brazilian agribusiness booms, family farms feed the nation.Mongabay series: Amazon Agribusiness. 17 january 2019. Https://news.mongabay.com/2019/01/as-brazilian-agribusiness-booms-family-farms-feed-the-nation/.. Acesso em 10/09/2019.
Graeub, B.E., Chappell, M.J., Wittman, H., Ledermann, S. Kerr, R.B., Gemmill-Herren, B. 2016. The State of Family Farms in the World. World Development Vol. 87, pp. 1–15, 2016.
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Sobre o autor
Tederson é Engenheiro Agrônomo, PhD e MBA. Tem mais de 20 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias aplicadas à agricultura. Também trabalhou nas áreas de estratégia e gerenciamento de produtos em multinacionais nos EUA, Brasil e Argentina. Além disso, atua como investidor-anjo de startups brasileiras. Atualmente, é diretor de P&D de uma startup que desenvolve tecnologias mais sustentáveis para o manejo de pragas na agricultura. Recentemente publicou o livro “Prato Meio Cheio, Meio Vazio: conquistas, desafios e alternativas para alimentar a humanidade sem destruir o planeta”.