
O avanço da agricultura começa quando o homem deixa de ser caçador e coletor nômade no início do período Holoceno. Desde então, o contínuo processo de domesticação e seleção de plantas tem proporcionado o desenvolvimento de um número enorme de plantas agronômicas. Todavia, a seleção de caracteres agronômicos que garantem alta produtividade das plantas, muitas vezes aliada ao seu extenso cultivo na forma de monocultura, pode causar um desbalanço ecológico que favorece o ataque prominente de algumas espécies de pragas (ex., insetos e doenças).
Esse desbalanço ecológico é postulado na ‘teoria da concentração de recurso’ (Root 1973), a qual defende que monoculturas irão propiciar o surto populacional de pragas que tem relação estreita com a cultura agronômica. Além disso, a ‘teoria do inimigo natural’ (Root 1073, Russel 1989) também postula que o cultivo extenso de monoculturas desfavorece a atração, estabelecimento e ação de inimigos naturais das pragas (ex., predadores e parasitoides).

Dentro deste contexto, raramente se observa em ambientes naturais (sem ação antrópica) um surto populacional de insetos-praga, uma vez que a diversidade de plantas existente garante uma maior riqueza de nichos que se traduz em teias ecológicas mais complexas e estáveis no tempo e espaço, dificultando assim o crescimento populacional assimétrico de espécies.
Neste ambiente natural existe também uma maior riqueza de inimigos naturais, especialistas e generalistas, que podem agir de forma complementar no tempo e espaço, evitando surtos populacionais de insetos-praga. Esse controle de pragas que ocorre naturalmente no campo de forma gratuita pela ação dos inimigos naturais é conhecido como controle biológico natural.
A força da natureza no manejo de pragas
A observação e estudo da natureza tem inspirado ao longo de décadas o desenvolvimento de várias ferramentas que são utilizadas no manejo de pragas, incluindo o uso de inseticidas botânicos e biológicos, feromônios, plantas transgênicas, controle biológico aumentativo, culturas-armadilha, cultivares resistentes, dentre outros. Todavia, a grande maioria destas ferramentas são ainda desenvolvidas prioritariamente para grandes culturas (maior retorno capital por investimento), especialmente para as ‘commodities’ como soja, milho, algodão, cana-de-acuçar e café, deixando várias outras culturas de importância alimentar em um segundo plano.
Além de tudo, o número de plantas agronômicas cultivadas ao redor do mundo é enorme (~ 2500 espécies de plantas cultivadas), onde grande parte delas tem espécies de pragas específicas (monófagas ou oligófagas). Desta forma, o número enorme de espécies de plantas agronômicas e suas pragas, aliado à necessidade de desenvolver ferramentas cada vez mais específicas para cada espécie de praga, resulta em uma demanda de tempo também enorme para atender a necessidade de desenvolvimento/aprimoramento de ferramentas específicas para o manejo de pragas na maioria das culturas.
Diante do exposto, eu, intuitivamente, enxergo o controle biológico natural como uma ótima e viável estratégia alternativa para auxiliar o manejo de pragas, tanto nas grandes culturas quanto naquelas as vezes consideradas de importância secundária.
O controle biológico e a agricultura moderna
Ademais, existem outros fatores que também contribuem para justificar essa necessidade de olharmos com mais seriedade para o real potencial do controle biológico natural. Dentre elas, merecem destaque o desenvolviemento de resistência das pragas à várias ferramentas de controle (ex., inseticidas, platas transgênicas), custo inicial alto para ferramentas recentes/modernas (ex., novas moléculas inseticidas), potencial risco de impacto ambiental, bem como os desafios enfrentados pelo controle biológico aumentativo realizado em campo.
Neste âmbito do controle biológico aumentativo, sabe-se também que é desafiador (para não dizer impossível) desenvolver protocolos de criação massal para inimigos naturais de todas as pragas importantes. Além disso, ao contrário do controle biológico aumentativo realizado em casas de vegetação, a sua implementação em campo aberto é também desafiadora. Inimigos naturais soltos em monoculturas em campo aberto podem dispersar mais rapidamente para fora da área e/ou apresentar menor sobrevivência, uma vez que as condições para estabelecimento e ação nesse ambiente são no mínimo subótimas (Michaud 2018). Por fim, o número de espécies de inimigos naturais que ocorrem naturalmente no tempo e espaço no campo é maior, e poderia contribuir de forma mais duradoura para o controle biológico de multiplas pragas.
A conservação dos inimigos naturais como controle de pragas
Dentro deste contexto, tentar usufruir mais do controle biológico natural é uma estratégia plausível e necessária. Todavia, a ação antrópica nos mais diversos sistemas agrícolas acaba muitas vezes dificultando o estabelecimento e ação até mesmo dos próprios inimigos naturais que ocorrem naturalmente no campo. Desta forma, a implementação do controle biológico conservativo é essencial, o qual consiste na adequação/manipulação do ambiente agrícola e/ou práticas agrícolas de forma a viabilizar a atração e conservação de inimigos naturais no campo.
Alguns exemplos de práticas de controle biológico conservativo incluem consórcio entre culturas (em linhas ou faixas), manutenção/cultivo de faixas floríferas, manutenção da cobertura do solo, uso de alimento artificial para inimigos naturais, uso de inseticidas seletivos, dentre outros (Gontijo 2019). Além de tudo, aproximadamente 70% dos alimentos (para consumo humano direto) são produzidos por pequenos produtores ao redor do mundo (Nowakowski 2018), dos quais grande parte tem poder aquisitivo limitado que não permite acesso às ferramentas modernas do manejo integrado de pragas (ex., novas moléculas inseticidas, feromônios, sementes transgênicas, etc). Desta forma, a implementação do controle biológico conservativo é fundamental para subisidear uma ação mais eficiente dos inimigos naturais que ocorrem naturalmente no campo, de forma mais barata e sustentável no longo termo.

Em conclusão, as oportunidades e necessidades para incentivar o controle biológico natural de pragas são muitas. De qualquer forma, é impossível produzir satisfatóriamente sem nenhuma ação antrópica no ambiente agrícola, desta forma faz se necessário a implementação do controle biológico conservativo, o qual pode favorecer tanto o estabelecimento e ação de inimigos naturais que ocorrem naturalmente no campo bem como daqueles advindos de biofábricas.
Por fim, é importante mencionar que o objetivo central desse artigo não é excluir a possibilidade de uso das outras ferramentas, mas sim incluir e aumentar o uso dos inimigos naturais que ocorrem naturalmente no campo dentro do contexto do manejo integrado de pragas. Espero que o texto sirva como uma fonte de reflexação para todos que também clamam por uma agricultura mais sustentável.
Referências
Gontijo LM, (2019) Engineering natural enemy shelters to enhance conservation biological control in field crops. Biological Control. 130: 155–163
Michaud JP, (2018) Problems inherent to augmentation of natural enemies in open agriculture. Neotropical Entomology. 47, 161– 170
Nowakowski K, (2018) Why we need small farms? National Geographic. Acessado 27/05/2021: https://www.nationalgeographic.com/environment/article/photos-farms-agriculture-national-farmers-day
Root RB, (1973) Organization of a plant-arthropod association in simple and diverse habitats: the fauna of collards (Brassica oleracea). Ecological Monographs. 43:95–124
Russell EP, (1989) Enemies hypothesis: a review of the effect of vegetational diversity on predatory insects and parasitoids. Environmental Entomology. 18(4):590–599
Lessando Gontijo é Professor da Universidade Federal de Viçosa – Campus Florestal, e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em ‘Manejo e Conservação de Ecossistemas Naturais e Agrários’. É também Editor Associado de periódicos científicos como Journal of Applied Ecology, Biological Control, e Neotropical Entomology. Possui experiência nas áreas de Agronomia e Ecologia Aplicada, com ênfase em Entomologia Agrícola, atuando principalmente nos temas envolvendo Controle Biológico Conservativo e Aumentativo. E-mail: lessandomg@ufv.br