
Vamos continuar descrevendo alternativa para o agricultor aumentar sua renda na propriedade rural. Isto porque eles e elas possuem duas missões: alimentar a humanidade e salvar o planeta. Para isso, eles precisam investir em tecnologias e formas mais sustentáveis para produção de alimentos. No entanto, esses agricultores precisam de capital financeiro que devem ser viabilizados por todos os membros da cadeia de produção e consumo de alimentos.
Assim, o grande desafio é como aumentar a renda do agricultor que está comprometido em tornar a agricultura mais sustentável? Aqui, vamos descrever cinco sugestões como exemplos que podem, unilateralmente ou em combinação, fornecer uma renda superior ao produtor rural que pratica uma agricultura mais sustentável dentro da economia verde. Estas sugestões são: preço sustentável, incentivos à Bioeconomia, imposto sobre as externalidades negativas, stakeholders antes dos shareholders e leis para o longo prazo.
Vimos no último post o preco sustentável e os incentivos a bioeconmia como formas de aumentar a renda do agricultor. Agora vamos descrever a possibilidade de um imposto sobre as externalidades negativas, stakeholders antes dos shareholders e leis para o longo prazo.
Produtor rural e a cadeia de produção de alimentos
O imposto pigouviano foi idealizado pelo economista britânico Arthur Cecil Pigou, no século XIX, no início da Revolução Industrial, quando os efeitos da poluição do ar, principalmente, começavam a chamar a atenção das pessoas na Inglaterra. A poluição prejudica bens, momentos e lugares das pessoas, mas as empresas que poluem não vão pagar por estes custos externos. Por esse motivo, Pigou percebeu que existia um custo que todos estavam pagando de alguma forma pelas externalidades da Revolução Industrial, inclusive quem não estava usufruindo dos benefícios dela. A esse custo adicional, Pigou chamou de Custo Marginal na Sociedade (CMS). Em muitos casos, o CMS pode ser até maior do que o custo de um produto em si.

Assim, o imposto pigouviano é um imposto de correção do custo de um produto e recai sobre quem produz e quem mais utiliza este produto. Ou seja, quem está produzindo um produto com externalidade negativa, como poluição, e quem está comprando este produto passam a pagar mais por este custo ambiental como emissão de CO2, ou, o CMS. O objetivo, no final, é que os consumidores diminuam ou utilizem esse produto com mais racionalidade, já que estariam pagando por um preço maior. Assim, no início de 2019, o Canadá começa a cobrar 20 dólares por tonelada de carbono de seus cidadãos. Ou seja, a poluição tem um preço e quem poluir mais irá pagar mais imposto.
Como houve muitas reclamações sobre o imposto, o governo canadense decidiu dar a opção para que as pessoas pedissem o dinheiro de volta através de restituição no imposto de renda do ano seguinte. Assim, a maior parte do dinheiro cobrado pelo imposto volta para as mãos dos contribuintes. No entanto, a mensagem do custo da poluição está difundida e as pessoas começam a se preocupar mais com suas ações, incluindo redução do uso de combustíveis fósseis, por exemplo. No final do dia, em torno de 80% dos contribuintes recebem mais do que pagaram de imposto do carbono, pois os mais ricos terão de pagar pela maioria das pessoas, visto que eles são os que mais possuem bens e, portanto, mais causam externalidades negativas. Além de poluição do ar, também temos a poluição de água e solos como os principais alvos de um imposto sobre externalidades.
O imposto não é unânime entre economistas e teóricos de tributação. Contudo, ele é um ponto de partida sobre a gestão das externalidades e devemos focar mais no objetivo final, ou seja, redução da poluição do ar, água e solo. Se o imposto ou a penalidade pelo uso e abuso de produtos com externalidades negativa deveria ser algo parecido com o imposto pigouviano, eu não tenho certeza. A questão principal é que temos que diminuir o nível de externalidades negativas da produção de alimentos e, se a conscientização, por si, não está resolvendo, então teríamos que pensar em algo mais tangível para desestimular a poluição em geral.

Estas e outras informações sobre o imposto pigouviano e formas de conter as externalidades em varias industrias podem ser encontradas no episódio 949 do podcast Planet Money por Sara Gonzalez e Jacob Goldstein (https://www.npr.org/2019/10/29/774494691/episode-949-the-pigou-club. Acesso em 12/01/2020) e no capitulo de livro Pigouvian Carbon Tax Rate: Can It Help the European Union Achieve Sustainability?, escrito por Danuse Nerudová e Marian Dobranschi em 2016.
Stakeholders antes dos shareholders
A ideia de que o foco de uma empresa seja maximizar o valor, ou lucro, dos ‘shareholders’ (acionistas) de uma empresa, surgiu nos anos 1970 e está baseada na crença de que os donos das ações da empresa são os verdadeiros proprietários dela. No entanto, esta diretriz vem sendo questionada por vários motivos. Um deles é o fato de os acionistas não serem legalmente responsáveis pelas operações da empresa e, assim, não serão culpados por ações da gestão da empresa que podem resultar em problemas legais, financeiros, trabalhistas, entre outros.
Outro motivo para questionar o foco no lucro dos acionistas da empresa são os impactos que a busca excessiva por lucro ou crescimento pode causar na sustentabilidade econômica dos parceiros e consumidores, social e ambientalmente. Assim, existe uma corrente de pensamento pedindo para que as lideranças das empresas adotem uma cultura de “shared value”, ou valor econômico gerado com sustentabilidade para a sociedade e o meio ambiente e não somente para a empresa e seus acionistas.

As empresas devem adotar ações para evitarem danos ambientais e contribuírem para a melhoria das comunidades. Desta forma, as empresas comprometem parte de seus lucros no curto prazo para garantir uma jornada sem atritos com a sociedade e o planeta, no longo prazo. A criação ou expansão da cultura do shared value é essencial não somente para as empresas, mas para a própria sobrevivência do capitalismo.
Investimentos no longo prazo e na criação de valor social e ambiental, ao mesmo tempo em que gera lucro aos acionistas, é um desafio para a liderança da maioria das empresas. Tradicionalmente, temos a empresa buscando lucro e os stakeholders (trabalhadores, parceiros da empresa, funcionários, população das comunidades onde se encontra a empresa atual, agências governamentais, entre outros) estão em lados opostos da mesa. No entanto, as melhores empresas do mundo vêm se tornando lucrativas e contribuindo para o bem-estar dos stakeholders e da sociedade em geral, além da conservação do meio ambiente.
Esta estratégia não é simples ou fácil de adotar, mas é possível. Para isso, o comportamento da liderança e das corporações em geral precisa ser transformado em seis áreas: objetivos comuns para a sociedade, visão de longo prazo, engajamento emocional, colaboração com a comunidade, inovação e organizações autorreguladas. Apesar da luta constante contra o pensamento de curto prazo e do lucro, as empresas que estão mudando a forma de encarar seus modelos de negócios estão revolucionando o mundo sem esperar por teorias ou respostas aos desafios econômicos, sociais e ambientais que vivemos hoje.
Da mesma forma, as empresas de capital aberto fornecedoras de insumos agrícolas, máquinas e equipamentos, bancos e consultorias, entre outros, também precisam adotar uma cultura de shared-value com os produtores e comunidades rurais. Acredito que a principal iniciativa voltada para os stakeholders das empresas agrícolas e alimentícias seria comprometer-se mais intensamente com a transparência das informações técnicas dos seus produtos, comunicar informações baseando-se em dados e na Ciência e combater o marketing do medo e falsas promessas sobre seus produtos e serviços. Por fim, também deveriam investir mais no desenvolvimento de produtos para suportar a sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Mais detalhes sobre esse assunto, podem ser encontrados nos três artigos da Havard Business Review: The error at the heart of corporate leadership (Bower, J.L., Paine, L.S. 2017.), Creating shared value (Porter, M.E., Kramer, M.R. 2011.) e How great companies think differently (Kanter, R.M. 2011).
Leis para o longo prazo
Por fim, teremos os consumidores e agricultores liderando as mudanças essenciais para garantir a produção de alimentos de uma forma sustentável, sem destruir o agricultor, o consumidor e o meio ambiente. Em síntese, o objetivo do livro é oferecer informação aos consumidores para que entendam melhor o processo produtivo de alimentos e possam, assim, fazer exigências mais construtivas para os agricultores e eles, dirigidos pela demanda do mercado, possam direcionar os outros elementos da cadeia, principalmente governo e empresas, para uma convergência sobre uma nova forma de encarar a segurança alimentar no mundo.

Com relação aos governos, os consumidores também devem pressionar os políticos para que desenvolvam leis baseadas em dados, estudos e informações que contribuam com o aumento da produção de alimentos através de sistemas mais sustentáveis. Um problema comum atualmente é que os políticos acabam pressionando reguladores para aumentar as exigências de pesquisa, desenvolvimento e comercialização de produtos, devido à pressão pública, incluindo consumidores, intelectuais, celebridades e youtubers.
No entanto, ao tornar o sistema mais complexo, o Estado favorece ainda mais a concentração das empresas da cadeia de produção de alimentos, por tornar praticamente impossível que pequenas e médias empresas lancem novos produtos, uma vez que são incapazes de financiar os custos dos processos regulatórios. Assim, os governos precisam revisar os processos de aprovação de tecnologias, com o objetivo de democratizar mais a cadeia de produção.
Além disso, os governos também precisam melhorar os programas de pesquisa e desenvolvimento juntamente com as empresas, para o aumento de técnicas, modelos e tecnologias voltadas para a agricultura sustentável. A internet das coisas, ciências dos dados e blockchain são apenas algumas tecnologias recentes que podem contribuir com a captação, análise e rastreabilidade de dados entre agências e instituições governamentais e as empresas. Desta forma, os consumidores e contribuintes teriam mais clareza dessas parcerias e seriam mais envolvidos nas pesquisas.
Caso tenha mais exemplos, alternativa ou ideias para tornar a produção de alimentos mais sustentável, envie para nós. Também adoramos receber sugestões, perguntas e comentários. Ou apenas deixe seu nome e e-mail abaixo para receber notificações de novos artigos.
Sobre o autor
Tederson é Engenheiro Agrônomo, PhD e MBA. Tem mais de 20 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias aplicadas à agricultura. Também trabalhou nas áreas de estratégia e gerenciamento de produtos em multinacionais nos EUA, Brasil e Argentina. Além disso, atua como investidor-anjo de startups brasileiras. Atualmente, é diretor de P&D de uma startup que desenvolve tecnologias mais sustentáveis para o manejo de pragas na agricultura. Recentemente publicou o livro “Prato Meio Cheio, Meio Vazio: conquistas, desafios e alternativas para alimentar a humanidade sem destruir o planeta”.