
A agricultura moderna tem alimentado a humanidade e proporcionado a expansão da população. No entanto, isso não tem sido alcançado sem impactos econômicos, sociais e ambientas. O grande desafio da geração atual é continuar aumentando a produção de alimentos ao mesmo tempo que precisa preservar, ou até regenerar, o planeta. Desta forma, vamos deixar um planeta viável para as próximas gerações e sendo, realmente, sustentáveis.
Continuamos nossa série sobre os impactos da agricultura na sustentabilidade econômica e as alternativas para melhorar os efeitos da produção de alimentos na realidade econômica dos agricultores. Hoje, vamos focar nos impactos do aumento da concentração de renda no campo e como chegamos a esta situação. Nos próximos artigos, vamos falar dos exemplos e alternativas que estão melhorando esta situação.
A sustentabilidade econômica de uma propriedade é crítica para que os filhos dos agricultores atuais tenham a oportunidade de viver plenamente na mesma propriedade, podendo criar seus filhos e outros membros das futuras gerações, se assim desejarem. Isso significa que a propriedade deve oferecer as condições básicas para que os proprietários atuais e seus filhos possam satisfazer suas necessidades como alimentos, água, abrigo e segurança.
O cenário da distribuição de renda no campo
Desde 1950, a agricultura brasileira tem se transformado com mudanças entre as principais regiões produtoras, maior uso de insumos, máquinas e equipamentos, maior especialização e concentração da produção, resultando em maiores produtividades em geral. No entanto, muitos agricultores têm ficado de fora dos benefícios da revolução tecnológica em curso nos últimos 40 anos no Brasil. Exemplo disso é o fato de 500 mil propriedades, entre as mais de 5,2 milhões, concentrarem 87% da renda bruta do setor. Ou seja, 10% das propriedades agrícolas brasileiras concentram quase 90% da produção financeira total do Brasil.

Quando olhamos com mais detalhes, pouco mais de 27 mil propriedades agrícolas respondem por 50% do valor da produção rural. Com relação ao faturamento, as diferenças também são gritantes. Em 2006, as propriedades com mais de 100 hectares possuíam receitas anuais médias 15 vezes maiores do que as propriedades com menos de 100 hectares. Este nível de concentração é uma tendência histórica, que se confirma a cada nova publicação de estudos sobre a economia rural brasileira.
Com a concentração de renda, temos a redução do número de trabalhadores rurais que, entre 1992 e 2012 foi em torno de 25%, ou 4,7 milhões de pessoas a menos na produção de alimentos no Brasil, em apenas duas décadas. Em 1992 havia 18,5 milhões de pessoas ocupadas no campo. Vinte anos mais tarde, em 2012, esse número caiu para 13,8 milhões de pessoas. Apesar da redução no número de pessoas ocupadas na agricultura neste período, houve um aumento da renda mensal dos trabalhadores em todas as regiões, no mesmo período.
A concentração de terras no Brasil
A concentração das propriedades rurais continua no Brasil, pelos dados recentes do Censo Agropecuário de 2017. Entre 2006 e 2017, houve uma redução de 100 mil propriedades, apesar do aumento da área ocupada de 5,8%. No entanto, a redução do número de propriedades classificadas como agricultura familiar foi ainda maior, passando de 84,4% do total de propriedades em 2006 para 77% em 2017. Apesar de representar a maior parte das propriedades rurais, a agricultura familiar representa apenas 23% da área ocupada com agricultura. Por fim, 1% das propriedades rurais ocupa 47,6% do total das propriedades, enquanto 50% das propriedades ocupam apenas 2,3% dos estabelecimentos rurais.
A diminuição do número de propriedades deve continuar, à medida que aumenta a exigência de maior escala de produção e eficiência, devido aos baixos preços de commodities. As propriedades rurais que não conseguirem aumentar sua produção em escala e eficiência operacional irão sumir do mapa, consolidando-se ou sendo adquiridas pelas propriedades com melhores condições financeiras. Desta forma, a escala e a eficiência tendem a colocar a sustentabilidade econômica de uma propriedade em perigo. Combinada com o contínuo êxodo rural e eventual falta de mão de obra qualificada, a falência de propriedades agrícolas menos preparadas para este cenário expandirá o processo de concentração de renda, com o aumento do tamanho das propriedades.

Por este motivo, a produção de alimentos nos principais países exportadores tem se concentrado cada vez em menos estabelecimentos rurais. Interessante que a tendência de concentração é ainda mais forte entre as grandes propriedades rurais. Ou seja, mesmo quando agricultores conseguem se tornar grandes proprietários, as chances de consolidação com outras propriedades não diminuem.
A contração de terras nos EUA
Nos EUA, esta tendência é ainda mais forte e está ainda mais adiantada. A renda total do agricultor norte-americano continua baixa, apesar de alguns sinais de melhoras em relatórios recentes, mas a dívida continua aumentando. A dívida total dos agricultores já passou os USD 400 bilhões, o nível mais alto desde a crise financeira de 2008/09. Esta dívida tem gerado números recordes de pedidos de falências por parte dos agricultores incapazes de pagar ou renegociar suas dívidas.
Apesar de a redução no número de propriedades ser uma constante nos EUA, esta redução se acentuou muito nos últimos anos, quando se registraram quase 20 pedidos de falência por dia, entre 2017 e 2018. Esta situação de aumento de dívida com projeções de redução ou manutenção atual dos preços de várias commodities resulta em um cenário difícil para o agricultor americano nos próximos anos, dependendo fortemente da situação de exportação destas commodities.
Na virada deste século, havia pouco mais de 2,1 milhões de propriedades rurais nos EUA, das quais apenas em torno de 160 mil eram classificadas como propriedades rurais comerciais, por faturarem mais de 250 mil dólares por ano, segundo a definição do USDA para uma propriedade comercial. Estas propriedades comerciais eram responsáveis por mais de 76% do total valor monetário recebido por todas as propriedades agrícolas dos EUA. Ou seja, em torno de 8% das propriedades rurais americanas eram responsáveis por gerar 76% de toda a riqueza agropecuária, enquanto 92% das propriedades são responsáveis pelos restantes 24% do valor gerado por todas as propriedades rurais dos EUA.
No mais recente censo americano, a concentração de terras, renda e produção de alimentos continua a aumentar, ao mesmo tempo em que a área e número de propriedades diminuem. No último censo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) de 2017, existiam 2.04 milhões de propriedades agrícolas, 3% menos do que em 2012. A concentração de produção é comprovada pelo fato de 66% da produção de USD 389 bilhões ter vindo de propriedades com valor de produção maior do que USD 1 milhão. A área dedicada à agricultura diminuiu 2%, mas o tamanho das propriedades aumentou de 434 acres (2012) para 441 acres (2017). A concentração de renda também é dramática, já que 76 mil propriedades produzem o equivalente a USD 1 milhão ou mais, enquanto 1,56 milhão de propriedades produz o equivalente a menos de USD 50 mil por ano.
Uma tendência com vários impactos
Os impactos da crise na agricultura americana têm ido além da simples concentração de propriedades agrícolas. Uma das principais consequências tem sido as altas taxas de suicídio dos agricultores americanos. Várias instituições e ONGs têm percebido um aumento considerável na busca por auxílio psicológico ou simplesmente alguém para conversar, como a ONG Rural Advancement Foundation, que possui um canal via telefone para ouvir agricultores com problemas financeiros graves e em busca de alguém para desabafar.

Além da questão psicológica e individual, outra consequência da concentração de terras é o esvaziamento populacional da região, o que torna a questão social ainda pior. Com menos estabelecimentos, existem menos pessoas vivendo em uma cidade e, portanto, menos mão de obra disponível. A redução de mão de obra obriga os proprietários a investirem cada vez mais em tecnologias e equipamentos para superar a falta de trabalhadores.
O círculo vicioso de reforço da concentração de produção e redução de número de propriedades rurais tem ocorrido em vários países exportadores como EUA, Brasil e Argentina. Como vimos até agora, a produção de alimentos nestes países tem se concentrado em poucos estabelecimentos para ser bem-sucedida. Desta forma, a economia de escala parece ser a única saída para uma propriedade rural garantir sua sustentabilidade econômica. No entanto, vamos ver no próximo capítulo que isso não é verdade, ou seja, existem alternativas para tornar uma propriedade rural economicamente viável.
Parte dos dados e informações sobre os impactos da agricultura na sustentabilidade econômica de uma propriedade rural neste artigo foram obtidos do texto “Embrapa Visão 2014-2034: o futuro do desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira” de 2014 e do livro por Fabio Chaddad, “Economia e Organização da Agricultura Brasileira”.
Além destes, os seguintes textos foram consultados para o artigo. Brasil agropecuário: Duas fotografias de um tempo que passou (Bolliger, F. 2014), A nova configuração do mercado de trabalho agrícola brasileiro (Maia, A.G., Sakamoto, C.S. 2014). Censo agropecuário: Brasil tem 5 milhões de estabelecimentos rurais (Nitahara, A. 2019). Concentração no campo bate recorde e 1% das propriedades tem quase metade da área no Brasil (Capetti, P. 2019). Updated Outlook for the U.S. Farm Economy. Net Farm Income Projection Less Dire, But Debt Forecast Is Worse (Farm Bureau. 2018). A revolution down on the farm – the transformation of American agricultura since 1929 (Conkin, P.K. 2008). Census of agriculture shows continued decline in number of US farms (Daniels, J. 2019). ‘They´re trying to wipe us off the map.’ Small American farmers are nearing extinction (Semuels, A. 2019).
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Sobre o autor
Tederson é Engenheiro Agrônomo, PhD e MBA. Tem mais de 20 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias aplicadas à agricultura. Também trabalhou nas áreas de estratégia e gerenciamento de produtos em multinacionais nos EUA, Brasil e Argentina. Além disso, atua como investidor-anjo de startups brasileiras. Atualmente, é diretor de P&D de uma startup que desenvolve tecnologias mais sustentáveis para o manejo de pragas na agricultura. Recentemente publicou o livro “Prato Meio Cheio, Meio Vazio: conquistas, desafios e alternativas para alimentar a humanidade sem destruir o planeta”.