
A agricultura familiar e o agronegócio são muitas vezes colocados em lados opostos da produção de alimentos e, principalmente, dos impactos causados ao consumidor, trabalhador, agricultor, comunidade e meio ambiente. De um lado, busca-se colocar a agricultura familiar como uma forma de produção de alimentos que não usa a maior parte das tecnologias e procura maximizar os recursos disponíveis dentro da propriedade rural, incluindo a mão de obra que, muitas vezes, é apenas dos membros da família da propriedade.
Do outro lado, busca-se colocar o agronegócio como uma forma de produção de alimentos que utiliza todas as tecnologias ao máximo e, principalmente, sem observar os impactos que estas podem causar ao ser humano, à comunidade e ao meio ambiente. Da mesma forma, utiliza somente insumos externos, na maioria das vezes, comprados de grandes empresas multinacionais e, por possuir vagas de trabalho, explora os trabalhadores.
Na prática, entretanto, os dois tipos de propriedades fazem parte de um mesmo modelo de produção em que, na maioria das vezes, utilizam as mesmas tecnologias, as mesmas fontes de informação e, mais do que tudo, procuram vender seus produtos para atingir o maior lucro possível e, assim, assegurar a sustentabilidade econômica de sua propriedade.

Ou seja, uma propriedade rural precisa gerar riquezas para se manter sustentável e, para isso, precisa maximizar seus recursos utilizando todas as ferramentas, sistemas e tecnologias possíveis. Dentro do conceito de sustentabilidade, a propriedade rural precisa atingir as metas econômicas, sociais e ambientais a fim de assegurar as mesmas oportunidades para as gerações futuras. Esse é desafio de todas as propriedades rurais do mundo independentemente de seu tamanho e nível de investimento tecnológico.
Assim, esta separação entre agricultura corporativa e agricultura familiar não faz sentido do ponto de vista de sustentabilidade, simplesmente por não possuir funcionários e ser administrada somente por integrantes da família proprietária; uma propriedade rural não deveria abdicar do uso de tecnologias que podem garantir maior renda e/ou menor impacto econômico, social e ambiental.
Tecnologias, modelos inovadores, parcerias comerciais com grandes empresas e mercado não deveriam ser um privilégio somente de médias e grandes propriedades. A decisão deve ser baseada em sistema de produção (orgânico ou convencional), capacitação e qualificação da mão de obra disponível, ambiente de produção, recursos naturais e financeiros, metas de rentabilidade, entre outros.
Diferenciação das propriedades rurais não contribui
No entanto, esta diferenciação é reforçada por todos, infelizmente. Inicia-se com o próprio governo, ao oferecer programas de crédito, seguro e incentivos financeiros diferenciados para cada classe de agricultores, passa pela divisão entre as entidades de representação dos agricultores e até mesmo pelas próprias empresas de insumos, máquinas e tradings. A agricultura familiar e o agronegócio têm sido divididos por questões ideológicas e econômicas, mas que no final do dia representam a agricultura moderna, no sentido de que estão inseridas no contexto da sociedade contemporânea capitalista e nem uma agricultura nem outra podem viver à parte. Nem mesmo a agricultura de países socialistas como Cuba e China consegue prosperar sem estar inserida no mercado. Assim, os fatores que diferenciam ambas as agriculturas deveriam ser seus produtos e seus clientes e não simplesmente o fato de a mão de obra ser familiar ou contratada.
A sustentabilidade da agricultura familiar depende dos avanços tecnológicos recentes e futuros tanto quanto a agricultura empresarial. Será impossível pequenas propriedades sobreviverem sem a adoção de tecnologias que as ajudem na produção, gestão dos recursos e interações com os consumidores.
A agricultura familiar busca a diversificação dos produtos, baixo custo, aproveitamento e otimização dos insumos, além de uma capacidade de causar menores danos ao ambiente do que os causados pela agricultura convencional. Por ser detentor dos meios de produção, o agricultor familiar procura produzir tanto para a subsistência como para comercialização. Dentro deste contexto competitivo, o agricultor familiar precisa utilizar as mesmas ferramentas disponíveis para todos os agricultores. Essas ferramentas visam otimizar a utilização de recursos, gestão da propriedade e facilitar a comercialização.

Em meio às crises econômicas, a agricultura familiar pode ser incentivada devido às dificuldades de as pessoas encontrarem trabalho. No entanto, isso só é mais provável quando a família já possui a propriedade e membros dela retornam para expandir os negócios da propriedade rural. Caso contrário, torna-se muito difícil uma família adquirir terras e infraestrutura para iniciar um empreendimento rural. Imaginar que uma família com crescente número de integrantes possa garantir a sustentabilidade econômica através de um sistema que não objetive a maximização da rentabilidade é ingenuidade.
Esta definição de agricultura familiar como não capitalista, não tecnológica e não exportadora de alimentos limita o crescimento da propriedade familiar, já que, sem esse crescimento, a propriedade não será sustentável, por esta limitação. Como a família proprietária da unidade agrícola irá aumentar, o crescimento será necessário para a expansão das atividades e renda da propriedade a fim de ser viável para mais pessoas viverem na mesma propriedade.
Ou seja, a definição teórica da unidade de agricultura familiar como não competitiva limita a sua própria sustentabilidade para as novas gerações, sendo a sustentabilidade definida como uma filosofia de modelo de negócio no qual a produção não impacte a viabilidade da propriedade, comunidade e planeta para as próximas gerações.
Fonte de informações do artigo
- Wanderley, M. N.B. 2009. O mundo rural como um espaço de vida: reflexões sobre a propriedade da terra, agricultura familiar e ruralidade. UFRGS Editora.
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Sobre o autor
Tederson é Engenheiro Agrônomo, PhD e MBA. Tem mais de 20 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias aplicadas à agricultura. Também trabalhou nas áreas de estratégia e gerenciamento de produtos em multinacionais nos EUA, Brasil e Argentina. Além disso, atua como investidor-anjo de startups brasileiras. Atualmente, é diretor de P&D de uma startup que desenvolve tecnologias mais sustentáveis para o manejo de pragas na agricultura. Recentemente publicou o livro “Prato Meio Cheio, Meio Vazio: conquistas, desafios e alternativas para alimentar a humanidade sem destruir o planeta”.