
A partir da Revolução Industrial do meio do século XIX, o poder das tecnologias caracterizadas pelo motor a combustão define um novo modelo de sociedade. A agricultura também sofre transformações e passa a incorporar as máquinas e equipamentos no processo de produção de alimentos, assim como melhora consideravelmente a extração e a produção de fertilizantes, bem como os transportes marítimo e terrestre de insumos e máquinas. Primeiramente, tratores, colheitadeiras, arados, e outros equipamentos puxados por motores de combustão começam a dominar os campos de produção dos EUA e da Europa e depois se espalham pelo resto do mundo.
A revolução industrial na agricultura é tão crítica como a revolução industrial nas cidades, pois ambas necessitam desesperadamente uma da outra. Com a Revolução Industrial, existe uma necessidade maior de mão de obra nas cidades e, portanto, menos pessoas trabalhando no campo para a produção de alimentos. Isto é o início do êxodo rural que perdura até hoje e vem aumentando rapidamente. Em 1950, por exemplo, a população urbana mundial era de 30%, hoje chega a 55% e em 2050 será em torno de 68%. Assim, a agricultura terá que aumentar consideravelmente a produção de alimentos per capita no campo, embora esteja perdendo mão de obra, pois há uma demanda cada vez maior de alimentos nas cidades.
Os benefícios na produção de alimentos
A Revolução Industrial traz grandes conquistas para a agricultura, fazendo com que a produção de alimentos volte a crescer a taxas maiores que o crescimento da população e, assim, se diminuam as probabilidades de o mundo passar fome novamente, como ocorreu alguns séculos atrás e se tornem meramente teoria as predições de Thomas Malthus. Malthus, que viveu entre 1766 e 1834, era um clérigo e estudioso inglês, que defendia que o controle populacional era a melhor forma de evitar novas ondas de fome, já que ele não acreditava que a agricultura poderia alimentar a crescente população. Ironicamente, para os defensores da teoria malthusiana, a Revolução Industrial do século XIX proporciona as condições para a primeira crise global de oferta de alimentos.

Exemplos destes movimentos são os agricultores holandeses, que se especializaram na produção de flores, e os dinamarqueses, com a produção de suínos. Para a maioria dos agricultores, no entanto, principalmente no Reino Unido, França e Alemanha, só restavam a venda ou abandono das terras e migração para as cidades em busca de melhores condições de vida. A Europa, desta forma, é o principal continente afetado pela primeira crise mundial de oferta de alimentos, com consequências que vão desde a expansão da urbanização, ondas migratórias para as Américas, até a especialização de atividades na Europa. Como descendente de imigrantes italianos, nunca imaginei que o excesso de oferta de alimentos no continente Europeu, na segunda metade do século XIX, tivesse contribuído para que meus bisavôs deixassem a Itália e viessem para o Brasil.
As tecnologias na agricultura
A onda de tecnologias geradas e condicionadas pela criação do motor de combustão é a característica marcante deste período, pois eleva mais uma vez a capacidade da humanidade em produzir alimentos suficientes para todos e em potencial para mais algumas centenas de milhões de pessoas. E esse potencial é explorado novamente em massa, pois a população mundial dobra de tamanho em 123 anos, saindo de um bilhão de pessoas em 1804 para dois bilhões em 1927. No entanto, é com a criação da agricultura industrial que começamos a ver as consequências indesejáveis das superproduções de alimentos no mundo: queda de renda familiar, incapacidade de acessar as novidades tecnológicas e, por fim, o abandono ou perda das terras e, consequentemente, o êxodo rural.
Como exemplo do desenvolvimento da eficiência na agricultura devido aos avanços tecnológicos, nos anos 20 e 30 do século XX, o trabalho humano nas propriedades com maior adoção de tecnologias, como tratores e colheitadeiras, era 10 vezes mais eficiente do que o trabalho humano nas propriedades onde as ferramentas ainda eram manuais, em sua maioria, como enxada e foice.
No final do século XX, a eficiência geral do trabalho humano nas propriedades mais tecnológicas já era 2.000 vezes maior do que nas propriedades operadas com ferramentas manuais. No entanto, apenas 10% das propriedades no mundo possuem total acesso às maravilhas tecnológicas da agricultura. Para os restantes 90% das propriedades, além de não conseguirem aumentar a produção, precisam lidar com a contínua queda nos preços de commodities e, portanto, de sua renda anual na propriedade. Para esses agricultores, as opções, eventualmente, tornam-se a venda da propriedade ou arrendamento, e a mudança para a cidade ou o trabalho em uma propriedade vizinha mais desenvolvida.
No entanto, estas propriedades mais desenvolvidas necessitam cada vez menos de trabalhadores, devido ao aumento da eficiência por trabalhador, à medida que novas tecnologias são lançadas. Em 1930, o número de propriedades rurais responsáveis por produzir 89% do valor bruto da produção agrícola nos EUA era de 6 milhões; já em 2002, este número caiu vertiginosamente para 320.000 propriedades que produzem os mesmos 89%.
Para contribuir com esta situação, o conhecimento técnico passa a ser promovido e difundido por agências governamentais em vários países. Nos EUA, em 1862, o governo inicia um processo de formalização da pesquisa agropecuária através da criação da rede de universidades chamadas de Grant Land universities. Este programa cria uma ou mais universidades em cada estado americano para focar em pesquisa, educação e extensão rural e, assim, ajudar os agricultores no desenvolvimento e expansão das melhores práticas agrícolas para o aumento da eficiência na produção de alimentos. Além disso, o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) também é criado no mesmo ano. As consequências na criação destas universidades e agências foram as de tornar os EUA um dos principais produtores de alimentos do mundo.
O acesso ao conhecimento impacta a agricultura
Como a difusão do conhecimento e da adoção de tecnologias pelas propriedades rurais não é uniforme, a divisão de classes econômicas no meio rural é intensificada e transforma a sociedade como um todo. Entre as principais transformações sociais está a substituição da nobreza pela burguesia, com as revoluções e guerras de independência dos séculos XVIII e XIX nos Estados Unidos, França, Inglaterra e América Latina. Com isso as famílias com riqueza, que, naquela época, era baseada principalmente em posse de terras, tinham uma facilidade de acesso às tecnologias e a seus benefícios de aumento na eficiência dos processos produtivos.
À medida que se tornavam mais eficientes, estas propriedades mais tecnológicas expandiam seu tamanho, adquirindo terras e mão de obra das propriedades menores ou menos eficientes. Isso faz com que haja uma divisão ainda maior de classes no campo e dois grupos começam a caminhar em caminhos opostos, cada vez mais distantes.
Desta forma, temos um grupo representado pelas grandes propriedades, que aproveitam os benefícios da agricultura industrial e expandem suas operações cada vez mais; de outro lado, temos o outro grupo, representado pelas pequenas propriedades que não conseguiam usufruir dos benefícios das tecnologias, muitas vezes por incapacidade financeira ou técnica, as quais começam a desaparecer, e seus proprietários se mudam para as cidades ou para propriedades maiores, onde podem trabalhar por salários mensais ou sazonais. Neste sentido, também vemos o prato meio cheio da agricultura, sob a forma de propriedades bem-sucedidas e o prato meio vazio, sob a forma das propriedades em extinção.
Fontes de informações para este artigo
Conkin, P.K. 2008. A revolution down on the farm – the transformation of American agricultura since 1929. The University Press of Kentucky, Lexington, USA.
Mazoyer, M., Roudart, L. 2006. A history of world agriculture – from the Neolithic age to the current crisis. Monthly Review Press, New York, USA.
UN 2019A. United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division, 2019. World Urbanization Prospects: The 2018 Revision (ST/ESA/SER.A/420). New York: United Nations.
UN 2019B. World Population Prospects 2019: Highlights. United Nations, Department of Economic and Social Affairs. Publicado em 17/06/2019.
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Sobre o autor
Tederson é Engenheiro Agrônomo, PhD e MBA. Tem mais de 20 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias aplicadas à agricultura. Também trabalhou nas áreas de estratégia e gerenciamento de produtos em multinacionais nos EUA, Brasil e Argentina. Além disso, atua como investidor-anjo de startups brasileiras. Atualmente, é diretor de P&D de uma startup que desenvolve tecnologias mais sustentáveis para o manejo de pragas na agricultura. Recentemente publicou o livro “Prato Meio Cheio, Meio Vazio: conquistas, desafios e alternativas para alimentar a humanidade sem destruir o planeta”.