
A economia estuda como seres humanos se relacionam com as trocas de bens e serviços. Teve seu início e consolidação nos séculos XVIII e XIX. Entre seus principais estudiosos estão Adam Smith com o conceito de mão invisível do mercado e John Maynard Keynes com suas contribuições que orientaram a macroeconomia do século XX. Em síntese, podemos considerar que todos estes economistas tradicionais basearam suas teorias na suposição de que os seres humanos tomam decisões de uma forma racional.
Então, no início do século XXI surgem ideias mais práticas sobre o funcionamento real da economia. Essas ideias mostram como os seres humanos não são tão racionais como os estudiosos da economia tradicional imaginavam. A este campo do conhecimento chamou-se de economia comportamental e teve como seus grandes expoentes Daniel Kahneman e Colin Camerer. Esses indivíduos ilustres, e nem tanto economistas, mostraram que os seres humanos tomam mais decisões baseados em emoções e comportamentos do que em aspectos racionais.
A economia da vida do planeta
Por fim, recentemente, vimos surgir uma nova área de conhecimento para tratar das questões de trocas entre bens e serviços, a bioeconomia. A bioeconomia incorpora os impactos das atividades econômicas na sustentabilidade do planeta e da humanidade como um todo. Desta forma, a bioeconomia procura determinar quais são os impactos negativos das ações humanas no planeta e quais são as alternativas para diminuir estes impactos e tornar o mundo mais sustentável.
A bioeconomia e a expansão da agricultura sustentável são críticas para o futuro da humanidade e do planeta. Elas fazem parte das metas de desenvolvimento sustentável da ONU para erradicar a pobreza e a fome, e conservar e proteger os recursos naturais. Para isto, organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, promovem incentivos financeiros para o produtor rural e outros membros da cadeia de produção de alimentos expandirem a agricultura sustentável e a bioeconomia.
Ambas as atividades representam uma evolução no desenvolvimento humano para a preservação do meio ambiente e do planeta. A agricultura sustentável é focada na utilização mais racional de insumos em geral. Já a bioeconomia é focada na produção, utilização e conservação dos recursos biológicos, utilizando tecnologias, conhecimento, informações e inovações entre todos os setores econômicos. A publicação do Global Bioeconomy Summit em 2018 (Innovation in the Global Bioeconomy for Sustainable and Inclusive Transformation) contem mais detalhes desses e outros conceitos.
A bioeconomia na agricultura
Para a agricultura, a bioeconomia tem se tornado mais viável para um número maior de agricultores com os recentes desenvolvimentos tecnológicos. Esses incluem as ciências dos dados, a internet das coisas, a biotecnologia e nanotecnologia, entre outros. Com a inovação tecnológica, a bioeconomia ganha um importante aliado, a quantificação de seus benefícios.

A capacidade de mostrar os benefícios sustentáveis de forma mais tangível aos olhos dos produtores e consumidores de alimentos é um dos principais desafios para o aumento da sustentabilidade. Isso porque as ações e práticas menos sustentáveis na produção de alimentos são mais visíveis no curto prazo. Enquanto isto, iniciativas e tecnologias mais sustentáveis possuem impactos na humanidade e no planeta no longo prazo. A quantificação dos malefícios e benefícios de tecnologias no longo prazo mostraria as vantagens de adoção de sistemas mais sustentáveis na produção de alimentos.
Além disso, também temos o desafio de incentivar a cadeia de produção de alimentos a fim de migrar seus sistemas de produção para sistemas mais sustentáveis e, possivelmente, gerando valor na bioeconomia. Para tanto, às vezes, não basta somente incentivos financeiros, mas precisamos também de criatividade e perseverança.
Um cidadão consciente e obstinado para mudar o mundo
Existem vários modelos, mas vou descrever um exemplo que iniciou a revolução da energia solar no mundo, literalmente, pela ambição de uma pessoa, o alemão Hans-Josef Fell, no início dos anos 1990. Ele desenvolveu um sistema de incentivos financeiros cruciais para o começo da implantação de painéis solares, em sua pequena cidade, na Alemanha. Naquela época, colocar um sistema solar para gerar energia elétrica custava em torno de 80 mil dólares, em valores atuais, ou seja, muitíssimo caro. Atualmente este custo ficaria pelo menos 20 vezes menor e tem potencial de reduções ainda maiores. Sendo o sistema de instalação tão caro, Hans pensou em uma forma de oferecer incentivos financeiros para que as pessoas que quisessem instalar os painéis solares pudessem vender a energia restante a um preço superior do normal. Este valor superior seria pago pelas pessoas que não utilizam fontes de energia alternativas.
Pagar mais no inicio para viabilizar a mudança
A este processo de incentivos deu-se o nome de Feed-in Tariff, ou seja, usuários de energia em geral pagam a mais (tariff) para que este recurso adicional financie as instalações de painéis solares (feed-in). O sistema como um todo é mediado e controlado pelo governo. À medida que mais pessoas decidem pelos painéis solares, estes se tornam mais baratos devido à economia de escala. No entanto, existe uma pressão financeira sobre os usuários que não querem ou não podem instalar os painéis, porque, com o tempo, aumenta-se o número de usuários com painéis e diminui-se, consequentemente, o número de usuários sem energia solar que pagam taxas cada vez maiores.

Além disso, também se iniciou um programa de subsídios para algumas empresas que não podiam pagar as taxas mais altas de energia. Resultado disso, a Alemanha possui as taxas de energia mais caras da Europa. Apesar disso, a maioria dos alemães aprova o programa. Ainda assim, o programa de feed-in tariff espalhou-se pela Alemanha, Europa e pelo mundo, e foi crucial na transição da matriz enérgica à base de fontes não renováveis para fontes renováveis, principalmente na Europa.
Mais detalhes sobre a história de Hans-Josef Fell e sua luta para a expansão da energia solar pode ser encontrada no episódio 965 do podcast Planet Money por Kenny Malone e Jillian Weinberger in 2020. Informações adicionais sobre o feed-in-tariff podem ser encontrados no artigo de Dalvi e outros na Revista Brasileira de Energia (Vol. 23 | Nº 2 | 2º Trim. 2017).
Feed-in-tariff para a bioeconomia
Assim, poderíamos desenvolver um sistema de incentivos para os produtores rurais e outros membros da cadeia de produção baseado no feed-in tariff. O Estado e/ou a iniciativa privada pagaria um preço maior pelo CO2 sequestrado, produção ou conservação de água ou da biodiversidade e outros benefícios que agricultores estariam fazendo e impactando as comunidades e planeta em geral. Da mesma forma que ocorreu na Alemanha com a energia solar, o programa seria mais caro no início. O custo tende a diminuir com o aumento do número de agricultores que estariam adotando práticas mais sustentáveis.

Por mais que a bioeconomia se refira a atividades econômicas relacionadas a sustentabilidade do planeta, não podemos considerar a tese tradicional de trocas para quantificar os benefícios da bioeconomia. Não estamos falando em benefícios ou consequências de curto prazo a cada negociação efetuada. Quando falamos de bioeconomia, precisamos levar em consideração impactos no longo prazo e, muitas vezes, intangíveis, ou seja, não quantificáveis.
A bioeconomia envolve todas as espécies vivas
Os aspectos de longo prazo e intangíveis tornam a bioeconomia uma área de conhecimento mais abrangente do que a simples ciência de análise de trocas entre seres humanos. A bioeconomia incorpora a vida de todas as espécies do planeta as quais normalmente não fazem parte das negociações humanas. Assim, a bioeconomia não se deve limitar a simples soma das atividades biológicas envolvidas e da economia. Esse conceito precisa incorporar os impactos das atividades humanas em toda a natureza e no planeta.
Mais informações sobre os impactos do acesso aos meios de produção na sustentabilidade econômica de propriedades rurais podem ser encontrados no livro já citado neste texto e sites da Embrapa, FAO, The Nature Conservancy, OECD e diversas fontes de fundações, instituições e ONGs que buscam melhorar a renda dos produtores rurais.
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Tederson é Engenheiro Agrônomo, PhD e MBA. Tem mais de 20 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias aplicadas à agricultura. Também trabalhou nas áreas de estratégia e gerenciamento de produtos em multinacionais nos EUA, Brasil e Argentina. Além disso, atua como investidor-anjo de startups brasileiras. Atualmente, é diretor de P&D de uma startup que desenvolve tecnologias mais sustentáveis para o manejo de pragas na agricultura. Recentemente publicou o livro “Prato Meio Cheio, Meio Vazio: conquistas, desafios e alternativas para alimentar a humanidade sem destruir o planeta”.
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