
A produção de alimentos no mundo tem evoluído muito, principalmente desde a Revolução Industrial, reduzindo preços e garantindo a alimentação de bilhões de pessoas. No entanto, a agricultura não vive, nunca viveu e dificilmente viverá uma situação de plenitude e tranquilidade.
A vida do trabalhador rural, seja proprietário, seja funcionário, é cheia de desafios, incertezas e surpresas cotidianas. A produção de alimentos difere de outras atividades produtivas por vários motivos, entre eles as condições climáticas, a demanda e a necessidade de conservação dos alimentos.
As condições climáticas são o elemento mais obvio e com menos controle, mesmo em áreas irrigadas. Ninguém consegue prever o clima durante toda uma safra. E ainda não se descobriu como fazer chover, ou parar de chover, evitar uma geada, ventos fortes e altíssimas temperaturas, entre outros eventos climáticos. A irrigação é um dos melhores mecanismos de “controle” do clima, mas depende da disponibilidade de água de rios, lagos ou aquíferos e de energia. Além de cara, a implementação de sistemas de irrigação pode se tornar pouco efetiva em condições prolongadas de seca.

A demanda dos produtos agrícolas é impactada por causas além da simples demanda dos mercados locais como normalmente ocorre em outras atividades econômicas. A demanda de alimentos pode ser impactada por um excesso de oferta, devido a altas produções em qualquer lugar do mundo, decorrentes de excelentes condições de clima ou de uma nova tecnologia ou de uma nova região produtora. A demanda por alimentos também pode ser impactada pelo consumo, quando existe um produto substituto mais barato ou com melhores características.
Por fim, a conservação dos alimentos é consequência do estado ideal de consumo de um alimento. Caso o alimento, seja uma fruta, seja uma carne, uma dúzia de ovos ou até mesmo uma tonelada de milho, não tenha condições adequadas de armazenamento e transporte para ser conservado, este terá como destino o lixo. Ou seja, após todo o processo de produção do alimento, se o produtor não o comercializar e entregá-lo nas condições ideais de consumo, o alimento se tornará lixo em poucas horas para pescados, poucos dias para hortaliças e frutas e poucos meses para cereais. Assim, a vida no campo não é fácil! Aliás, a vida do agro não é nada pop, a vida do agro é VUCA!
Por que a agricultura é VUCA?
Para ajudar o leitor a entender os desafios do produtor rural, vamos utilizar o conceito de VUCA, sigla em inglês para Volatility (Volatilidade), Uncertainty (Incertezas), Complexity (Complexidade) e Ambiguity (Ambiguidade). Este conceito foi desenvolvido para o Exército Americano nos anos 1990 para descrever as principais características do mundo com o fim da Guerra Fria. O mundo atual, com alta volatilidade, incertezas, complexidade e ambiguidade se tornou um mundo VUCA. E o conceito ganhou adeptos em várias áreas como estratégia, gestão de risco, liderança entre outras, tanto no mundo corporativo como nos setores governamentais.
Mais informações sobre o mundo VUCA podem ser encontrados no artigo “Conservation and sustainable development in a VUCA world: the need for a systemic and ecosystem-based approach” pelos autores A. Schick, P. R. Hobson e P. L. Ibisch em 2017 na Ecosystem Health and Sustainability. Outra fonte de informação nesse tópico é “Shifts of strategic paradigms in the VUCA world – Does “outside the box thinking” a meaningful cliché for the business world?” por A. Barman e C. Potsangbam em 2017.

O conceito VUCA se popularizou com a crise financeira de 2008, que abalou a economia mundial após um período de forte crescimento econômico desde 2001. O aspecto complexo dos fatores causadores da crise, principalmente o mercado imobiliário dos EUA, e a ambiguidade e incertezas da retomada econômica do pós-crise, lenta e volátil, a qual continua até hoje em alguns lugares do mundo, fizeram com que o conceito VUCA se tornasse uma das melhores formas de explicar tanto a crise como a retomada econômica.
No entanto, o mundo VUCA extrapolou a economia, a estratégia e o mundo corporativo, chegando a todas as áreas contextualizadas por sistemas complexos como mudança climática, ecossistemas, conservação e desenvolvimento sustentável.
E pelas condições inerentes da produção e comercialização de alimentos, a agricultura também se encaixa neste contexto de mundo VUCA, ainda mais no mundo conectado e de mudanças repentinas em que vivemos. Assim, nas próximas páginas, vamos relacionar cada um dos componentes do VUCA com os aspectos de produção e comercialização de alimentos.
Volatilidade: mercado, preços e renda do agricultor
Volatilidade descreve a taxa de mudança de algo, normalmente muito rápido, como mercados internacionais, mercado financeiro, câmbio e preços de commodities.
Por exemplo, os preços de algumas das principais commodities agrícolas estão sendo determinados por poucos países do lado da oferta, incluindo os EUA, Brasil e Argentina para soja e os EUA, Brasil, Índia, África do Sul e Austrália para algodão. No entanto, poucas regiões ou países também estão impactando os preços do lado da demanda, principalmente China, União Europeia, Oriente Médio e Sudeste asiático. Nestes dois casos, soja e algodão, os acordos multi e bilaterais entre os países estão em constantes mudanças e podem mudar o fluxo e o balanço do mercado destas commodities em pouco tempo, às vezes em semanas.
Veja o exemplo da taxação da soja americana por parte dos chineses, como uma forma de retaliação pelo aumento das tarifas dos produtos chineses importados para os EUA, que tem impactado o fluxo do comércio de commodities em geral.
Seguro agrícola contra a volatilidade
Para ajudar a mitigar a volatilidade dos preços agrícolas, por exemplo, os agricultores fazem um planejamento de época de plantio, área destinada a produção, ambiente de produção e irrigação. Porém, um dos mecanismos mais efetivos é o seguro rural, que oferece uma proteção ao agricultor nos casos de perdas consideráveis por condições do tempo, como seca, frio, geada, granizo, ou ventos fortes.
Os benefícios do seguro agrícola vão além da proteção dos investimentos dos agricultores. Entre estes benefícios estão a estabilização de renda do agricultor, geração de emprego, promoção do desenvolvimento tecnológico e redução do custo do crédito rural por diminuir os riscos e, portanto, os juros pagos pelo agricultor. Neste sentido, o seguro rural é uma das ferramentas que o agricultor possui para lutar contra a volatilidade. No entanto, esse mecanismo é caro para o agricultor ou o contribuinte. Enquanto alguns países como EUA e Espanha oferecem seguro rural com altos custos para o Estado, o Brasil depende mais de participação privada ou do Estado, em casos extremos de perdas significativas da produção.
A força das tecnologias
Outra forma de mitigar a volatilidade da agricultura é através da utilização da tecnologia de informação. Neste caso, o agricultor pode utilizar ferramentas de previsão de tempo, projeções de oferta e demanda local, nacional ou internacional, além das diversas ferramentas de análise técnica do seu ambiente de produção, como fertilidade do solo, capacidade de máquinas e equipamentos, variedades ou híbridos para plantar, entre outros.
No entanto, nem todos os agricultores estão preparados para essas novas ferramentas ou métodos de tomada de decisão. Talvez tenhamos alguns agricultores ou trabalhadores rurais já utilizando essas ferramentas, mas a expansão para a maioria da comunidade rural vai exigir uma educação generalizada dos agricultores, representantes comerciais e técnicos das empresas.

Ao mesmo tempo em que a adoção de tecnologia é um desafio para o aumento da eficiência da produção rural, isto também representa uma grande oportunidade de negócios para novas pequenas e médias empresas locais que queiram dedicar-se mais ao treinamento e capacitação dos proprietários e trabalhadores rurais. Aliás, o treinamento para a nova agricultura, a agricultura do conhecimento, será essencial para provar o valor dessas ferramentas e para os agricultores realmente se beneficiarem das suas vantagens.
Os agricultores que não estiverem preparados para essas novas tecnologias não irão usufruir desses benefícios. Assim, apesar de a inovação tecnológica ser uma ferramenta contra a volatilidade na produção de alimentos, a complexidade de uso e adoção da própria inovação tecnológica se adiciona ao mundo VUCA do agricultor.
Junto com as ferramentas da revolução tecnológica, os agricultores precisam também ter acesso ao conhecimento básico de gestão de uma propriedade rural com urgência. A teoria por trás da gestão agrícola é bem desenvolvida, mas muito pouco praticada. A maior adoção das práticas de gestão agrícola mitigaria os efeitos desafiadores do mundo VUCA na agricultura.
Existem uma grande literatura sobre aspectos voláteis da cadeia de produção de alimentos e do mercado de commodities. Aqui estão alguns exemplos de onde tiramos parte das informações neste texto: “Gestão do risco e seguro na agricultura brasileira” por A. M. Buainain, P. A. Vieira e W. J. M. Cury de 2014; “Farm Management Economic Analysis: A Few Disciplines, a Few Perspectives, a Few Figurings, a Few Futures” por B. Malcolm de 2000; “Soybeans Sink as China Hikes Tariffs on American Farm Products” por M. Durisin e A. Robinson de 2019.
Planejamento
O simples planejamento de uma safra agrícola não é o suficiente para garantir a sustentabilidade de uma propriedade agrícola. O agricultor pode ter benefícios de curto prazo, mas somente uma gestão agrícola que leve em consideração os conceitos de sustentabilidade pode garantir a sobrevivência das futuras gerações na mesma propriedade. Assim, precisamos impulsionar a adoção de uma gestão sustentável das propriedades agrícolas, já que a simples produção e comercialização dos bens agrícolas não têm contribuído muito com a renda geral dos agricultores.

O seguro agrícola e a tecnologia de informação são dois exemplos de iniciativas que os agricultores utilizam para lutar contra a volatilidade e os outros componentes do mundo VUCA. Ambas as iniciativas exemplificam a necessidade de capital (seguro agrícola) e de tecnologia (tecnologia da informação) para o produtor rural.
No próximo post, vamos falar das outras letras do VUCA (incertezas, complexidade e ambiguidade) além de como o produtor rural pode interagir com este novo mundo.
Caso tenha mais exemplos, alternativa ou ideias para tornar a produção de alimentos mais sustentável, envie para nós. Também adoramos receber sugestões, perguntas e comentários. Ou apenas deixe seu nome e e-mail abaixo para receber notificações de novos artigos.
Sobre o autor
Tederson é Engenheiro Agrônomo, PhD e MBA. Tem mais de 20 anos de experiência em pesquisa e desenvolvimento (P&D) de tecnologias aplicadas à agricultura. Também trabalhou nas áreas de estratégia e gerenciamento de produtos em multinacionais nos EUA, Brasil e Argentina. Além disso, atua como investidor-anjo de startups brasileiras. Atualmente, é diretor de P&D de uma startup que desenvolve tecnologias mais sustentáveis para o manejo de pragas na agricultura. Recentemente publicou o livro “Prato Meio Cheio, Meio Vazio: conquistas, desafios e alternativas para alimentar a humanidade sem destruir o planeta”.